Fui do Estácio até Copacabana à toa. A caixa econômica federal não renova senha se não tiver o comprovante de residência, fica a dica. Além da bolação de dar viagem perdida, carregava cinco livros nas costas e sentia o peso do conhecimento enquanto o sol resolvia dar o ar de sua graça. Fui caminhando em busca do ponto de ônibus observando as bancas de revista, as lojas em promoção, gente descendo do ônibus, gente descendo dos prédios, gente descendo do morro, todos pareciam ter um destino. Cheguei ao BRS1 e nenhum passava pela av. Brasil, passarela três, São Cristovão, Barreira do Vasco. Também não servia nenhum que parava no BRS2. O sol ardia. O mar estava perto e longe da minha realidade de moleque de calças jeans, mochila nas costas. No BRS 3 me serviam o 483 e o 484. Comecei a esperar. A simpatia de acender o cigarro para chegar o ônibus não funcionou, fui obrigado a fumar até o fim. 20 minutos... Uma mulher nordestina perguntou pro homem executivo branco de barba feita sobre o 484, ele não sabia. Uma mulher negra e gorda de cabelos loiros que estava com o filho no ponto, chegou para perto da senhora nordestina para tratarem do assunto. Eu ouvia. Decidi entrar no papo: com licença, boa tarde, o 484 ainda passa por aqui? Também to esperando meu filho, respondeu à senhora nordestina. Há mais de uma hora, completou. Eu disse que agora ta tudo uma bagunça esses ônibus, elas concordaram. A mulher negra também era nordestina. Ela me disse que havia visto um 484 passando mais cedo. Nesse instante uma mulher branca de cabelos tingidos de preto disse que pegou o 484 de manhã para estar ali em Copacabana. Morava na Penha. Só servia ele. O 483 estava partindo da Siqueira Campos, ela disse. Ainda esperamos mais um pouco, reclamando da dificuldade que se tornou sair de Copacabana pra av. Brasil depois dessas mudanças nas linhas. Eu disse mais uma vez que agora ta tudo uma bagunça esses ônibus porque não perco oportunidade de dizer isso e elas concordaram porque é verdade. Sempre esteve, mas agora parece que está mais e além do mais, é o agora que importa, de fato. Alguém decidiu ir caminhando até a Siqueira Campos para pegar o 483. Fui junto. Fomos todos. Nenhum de nós queria encarar aquela dúvida e aquela solidão de esperar o único ônibus que não vem. A dificuldade de usar o transporte público nos unia e nós consolávamos a revolta um do outro. Um caboclo na calçada vendia miniaturas de móveis feitos de madeira. Duas velhas madames de Copacabana pagavam por elas. Dois homens negros gargalhavam enquanto levavam a geladeira com adesivo da Black Friday. A cidade girava debaixo do sol que faz meio dia, enquanto nosso bonde seguia implacável e indiferente aos olhares curiosos pela rua. Até que uma de minhas amigas saiu correndo pelo meio da Nossa Senhora de Copacabana, foi cortando os carros, o sinal estava aberto, as outras duas dispararam atrás, a mãe puxando o menino. É ele! Olhei. Era o 484. O sinal ficou amarelo. Minhas amigas chegaram ao outro lado da rua. Deram sinal. O semáforo ficou vermelho. Atravessei e entrei na fila enquanto o menino corria em direção à porta traseira. Entramos no ônibus e o motorista nos recebeu com um sorriso daqueles que proíbem reclamações sobre a demora. No máximo um comentário: ficamos mais de uma hora esperando, disse primeira a mulher nordestina. Ele respondeu sorrindo. Sorrimos de volta. Estávamos felizes. Sorrimos uns para os outros. Estávamos felizes. Um quarteirão a menos pra andar à toa nessa vida. Estávamos felizes. Enfim pegamos o rumo de volta para nossas casas. Estávamos felizes. Para passar pela roleta cada um de nós pagou em dinheiro ou em cartão o equivalente a três reais e quarenta centavos.